domingo, 21 de junho de 2009

Novas informações sobre a patogênese do mieloma múltiplo

No mês passado, foram publicados dois artigos na revista Blood seguidos de um editorial muito interessante escrito pelos Professores Ruan Bladé e Laura Rosinol do Hospital Universitário de Barcelona.
O tema é provocativo e antes de mas nada gostaria que vocês refletissem sobre a seguinte pergunta: Todo mieloma múltiplo é precedido por um estado de MGUS?
Como vimos em nosso último apontamento, a definição de gamopatia monoclonal de significado indeterminado pelo IMWG e pela clínica Mayo , caracteriza-se pela soma dos seguintes critérios : 1- proteína monoclonal < 3g/dl ; 2 – infiltração de plasmócitos na medula <10% e ausência de lesões em órgãos alvo acometidos pelo mieloma (doença óssea, anemia, hipercalcemia e insuficiência renal).

O que sabemos sobre a MGUS:


1-A MGUS é uma condição pré-neoplásica muito comum em alguns países podendo atingir 3% da população de etnia branca acima de 50 anos.
Kyle RA NEJM 2006

2- A taxa de progressão da MGUS para o mieloma múltiplo é de 1% ao ano com probabilidade atuarial de progressão de 12-17% em 10 anos e de 25- 34% em 20 anos. Kyle RA NEJM 2002

3 – Como fatores envolvidos na transformação desta condição pré-neoplásica figuram: a presença de proteína M , IgA (não-IgG) ; níveis elevados de ptn M e infiltração por plasmócitos na medula.

4- Recentemente as variáveis: razão Kappa-Lambda (Freelite) , a presença de ptn M não- IgG e níveis de ptn M > 1,5 g/dl , foram associadas a um risco absoluto de transformação para o MM de 58% enquanto na ausência destes foi de apenas 5 %.Em uma análise de 20 anos.
Rajkumar SV Blood 2005
5- O novo conceito MGUS em evolução (evolving ) e não- evolução (non-evolving).Separa dois grupos diferentes de MGUS , um com tendência a transformação para o MM e outro com um padrão estável.
Em um estudo que comparou um grupo MGUS que teve nos 3 primeiros anos de avaliação níveis crescentes progressivamente de ptn M versus outro que manteve valores constantes , as taxas de progressão em 10 anos foram de 55 vs 10 % e em 20 anos de 80 vs 13%.
Rosinol L Mayo Clin Proced 2007


6- Não está indicado o tratamento para esta condição , não havendo evidências científicas até o momento que justifiquem esta prática.Somente em estudos experimentais (ensaios clínicos) de instituições de pesquisa.


Bom após esta introdução , voltemos a nossa questão.

Neste artigo da revista Blood o autor Ola Landgren , apresentou um estudo norte americano, com uma coorte prospectiva de 70469 adultos sadios que foram acompanhados com exames regulares para detecção de diversos tipos de neoplasias .Nesta investigação 71 pacientes desenvolveram mieloma mútiplo.
Foram estocadas amostras de sangue de 2 até 10 anos antes do diagnóstico de MM para realização de eletroforese de ptns , imunofixação e cadeias leves livres.O objetivo era identificar o padrão de transformação do MM.Isto é elucidar se o mieloma ocorre sempre após um estágio intermediário de MGUS ou ocorre “de novo”.
Como resultado , todos os pacientes tiveram MGUS previamente e 75% já apresentavam ptn M até 8 anos antes do diagnóstico.
O segundo estudo publicado por Weiss M B , chegou a conclusões semelhantes encontrando em 90% dos casos pesquisados uma proteína M pré-existente ao diagnóstico de mieloma.

Portanto a resposta é sim!
Conclusões
-A maioria dos casos de mieloma evolui de um estado pré-neoplásico denominado MGUS entretanto é importante lembrar que a maioria dos casos identificados como MGUS nunca se transformarão em mieloma.
- Esta nova informação acrescenta muito no conhecimento desta doença e abrirá novas portas para pesquisas.

Agenda científica:
1- Identificar casos de MGUS de alto risco
2- Clinical Trials com medicamentos para pacientes de alto risco (agentes imunomoduladores?)
3- Estudos para avaliação de vias moleculares ou genômicas envolvidas no processo de transformação.


1-Ola Landgren,1,2 Robert A. Kyle,3,4 Ruth M. Pfeiffer,1 Jerry A. Katzmann,3,4 Neil E. Caporaso,1 Richard B. Hayes,1 Angela Dispenzieri,3,4 Shaji Kumar,3 Raynell J. Clark,4 Dalsu Baris,1 Robert Hoover,1 and S. Vincent Rajkumar3
Monoclonal gammopathy of undetermined significance (MGUS) consistently precedes multiple myeloma: a prospective studyBLOOD, 28 MAY 2009 VOLUME 113,

2- Brendan M. Weiss,1 Jude Abadie,2 Pramvir Verma,3 Robin S. Howard,4 and W. Michael Kuehl5 Amonoclonal gammopathy precedes multiple myeloma in most patients. BLOOD, 28 MAY 2009 VOLUME 113, NUMBER 22

3- Editorial Joan Blade´ , Laura Rosin˜ ol, and Ma Teresa Cibeira HOSPITAL CLINIC, BARCELONA


Recomendo aos médicos e estudantes de medicina que leiam estes artigos e sobretudo o editorial pois são muito esclarecedores. Eles demonstram como é possível fazer estudos simples e de longo prazo capazes de responder perguntas importantes para o conhecimento científico.

Um abraço